Estudos do Evangelho


Segue abaixo textos relacionados com os rolos do Mar Morto.



Na foto: as cavernas de Qumran.

“A lei do Senhor é perfeita e restaura a alma; o testemunho do Senhor é fiel e dá sabedoria aos símplices [...] são mais desejáveis do que ouro, [...] em os guardar há grande recompensa [...] Para mim vale mais a lei que procede de tua boca do que milhares de ouro ou de prata” (Salmo 19.7,10-11; Salmo 119.72).
Muhammad estava agitado e inquieto. Sua cabra travessa tinha sumido. Ao vaguear sem rumo longe de seu rebanho e de seus amigos, o beduíno chegou a uma caverna que ficava em posição elevada e dava frente para a costa noroeste do Mar Morto. Por pensar que o animal desgarrado tivesse se perdido dentro da caverna, o beduíno começou a jogar pedras pela entrada da gruta a fim de fazê-lo sair lá de dentro. Quando ele ouviu o ruído das pedras que batiam em peças de cerâmica, ficou intrigado. Será que lá dentro da caverna poderia haver um tesouro escondido? Com toda a empolgação, ele correu até a entrada da caverna, porém, no interior dela não encontrou ouro, nem prata, apenas jarros grandes e antigos ao longo das paredes, os quais continham rolos de pergaminhos despedaçados. Ele pensou: “pelo menos os pergaminhos de couro vão servir para fazer correias e tiras de sandálias”. Lamentavelmente, Muhammad não conseguiu perceber a real importância daquele momento. A teimosia de sua cabra o levara àquela que pode ser considerada, nos tempos modernos, a maior descoberta de manuscritos: uma incalculável reserva entesourada da Palavra escrita – os Manuscritos do Mar Morto.
Beduínos não marcam o tempo como os ocidentais, mas assemelham-se aos seus antepassados; sua concepção de tempo e momento está relacionada com outros acontecimentos. Assim, não se pode datar essa descoberta com precisão. Após uma revisão, a nova data para a descoberta do primeiro rolo de manuscritos é a de 1935 ou 1936. A partir de então até o ano de 1956, muitos outros manuscritos foram achados. Acredita-se que esses manuscritos sejam de datas diferentes, as quais variam do século III a.C. até o século I d.C. A maior parte deles foi descoberta em cavernas de formação calcária em Qumran, situadas exatamente a noroeste do Mar Morto.
 A maioria dos pergaminhos é escrita em hebraico; o restante deles é escrito em aramaico e grego. Foram achados mais de 900 documentos, que correspondem a 350 obras distintas em suas múltiplas cópias. Muitos dos escritos bíblicos e extrabíblicos estão representados em pequeníssimos fragmentos. Só em uma caverna foram encontrados 520 textos, na forma de 15 mil fragmentos. Como se pode imaginar, juntar todos esses pedaços de pergaminho na sua respectiva posição para que se faça a tradução tem se constituído numa tarefa gigantesca.
A descoberta dos Manuscritos do Mar Morto confirma aquilo que as pessoas que crêem na Bíblia sempre souberam, ou seja, que a Bíblia, tal qual a temos na atualidade, é um texto que passa nos testes de fidedignidade. Apesar dos ataques contra a Bíblia, a Palavra de Deus permanece para sempre: “O caminho de Deus é perfeito; a palavra do Senhor é provada; ele é escudo para todos os que nele se refugiam” (2 Samuel 22.31).
Sempre houve pessoas que questionaram a confiabilidade das Escrituras. Uma vez que o texto foi copiado e re-copiado ao longo dos séculos, os críticos alegam que é impossível saber-se com certeza o que os escritores bíblicos escreveram ou queriam dizer originalmente. Os Manuscritos do Mar Morto invalidam tal hipótese ou suposição no que se refere ao Antigo Testamento. Foram achadas entre 223 e 233 cópias das Escrituras Hebraicas, as quais foram comparadas com o texto atual. O único livro do Antigo Testamento que não foi encontrado nessa descoberta é o livro de Ester. É possível que ele esteja oculto numa caverna ainda não identificada de algum lugar isolado.
Antes dessa descoberta, os manuscritos mais antigos das Escrituras Hebraicas datavam do século IX d.C. ao século XI d.C. Tais manuscritos constituem aquele que é chamado de Texto Massorético, termo este originado da palavra hebraica masorah que significa “tradição”. Os escribas judeus de Tiberíades, denominados massoretas, procuraram meticulosamente padronizar o texto hebraico e sua pronúncia; a obra que realizaram ainda é considerada uma referência confiável nos dias de hoje. Os manuscritos de Qumran são, no mínimo, mil anos mais antigos que o Texto Massorético. Na realidade, esses manuscritos são até mesmo mais antigos que a Septuaginta, uma tradução grega do Antigo Testamento elaborada no Egito durante o período de 300 a 200 a.C.

Vasos encontrados em Qumran.
Comparações minuciosas têm sido feitas entre o Texto Massorético e os Manuscritos do Mar Morto. Encontraram-se diferenças insignificantes de ortografia e gramática. Os críticos e céticos em relação à Bíblia ficaram surpresos quanto à maneira pela qual o texto daqueles manuscritos se assemelha ao texto atual. Eles não encontraram nenhuma objeção evidente às principais doutrinas das Escrituras Sagradas. A parte bíblica da literatura descoberta em Qumran confirma o estilo de expressão verbal e o significado do Antigo Testamento que temos em nossas mãos na atualidade: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim” (João 5.39).
Além das cópias das Escrituras do Antigo Testamento, as cavernas do Mar Morto também nos proporcionaram outras obras escritas. Esses documentos descrevem o estilo de vida e as crenças da misteriosa comunidade que viveu na região de Qumran. Embora não sejam escritos bíblicos, são registros valiosos que possibilitam a compreensão do contexto de vida e da cultura na época do Novo Testamento. Infelizmente os estudiosos dão mais atenção a essas obras de menor relevância do que às Escrituras, ainda que os textos bíblicos sejam mais importantes para os problemas da vida, pois o legítimo plano de Deus para a redenção da humanidade só se encontra no texto da Bíblia.
Uma Exatidão Maravilhosa

O grande rolo de Isaías, encontrado quase intacto em Qumran.
O Manuscrito do Livro [i.e., rolo] de Isaías encontrado na caverna 1 da região de Qumran oferece um sensacional exemplo da transmissão exata do texto na tradução. Acredita-se que esse extraordinário manuscrito date de cem anos antes do nascimento de Jesus Cristo. Foi um manuscrito semelhante a esse que Jesus utilizou na sinagoga da aldeia de Nazaré, quando leu a seguinte passagem das Escrituras: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres” (Lucas 4.18; Isaías 61.1). Ele continuou a leitura até determinado ponto. Em seguida, devolveu o livro [i.e., rolo] ao assistente da sinagoga e se sentou. Enquanto todos tinham os olhos fitos em Jesus, Ele declarou que aquela porção das Escrituras acabara de se cumprir diante dos ouvintes. Dessa forma, Jesus afirmou claramente ser Ele mesmo o Messias de Deus, vindo ao mundo para conceder a salvação a todo aquele que O receber.
A mesma passagem bíblica traduzida diretamente a partir do Manuscrito do Livro de Isaías descoberto em Qumran (o qual é cerca de mil anos mais antigo do que o manuscrito hebraico [i.e., o Texto Massorético] no qual se basearam as outras traduções), é praticamente idêntica: “O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque YHVH [N. do T., o tetragrama sagrado em hebraico que se refere ao nome supremo de Deus: Yahveh ou Javé] me ungiu para pregar as boas novas aos quebrantados”. A integridade da reivindicação de Cristo, conforme está escrita em nossas Bíblias, se confirma.
É fascinante que os manuscritos achados com mais freqüência em Qumran, sejam completos, sejam na forma de pequenos fragmentos, referem-se aos mesmos livros da Bíblia geralmente citados no Novo Testamento: Deuteronômio, Isaías e Salmos. Tal fato desperta um interesse ainda maior à luz das próprias palavras de Jesus concernentes às Escrituras Hebraicas:
“A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (Lucas 24.44).
Muitos outros exemplos poderiam ser citados. O fato principal acerca da Bíblia e desses rolos de manuscritos resume-se naquilo que um grande expositor das Escrituras, o inglês G. Campbell Morgan (1863-1945), certa feita compartilhou: “Não existe vida nas Escrituras em si mesmas, porém, se seguirmos a direção para onde as Escrituras nos levam, elas nos conduzirão até Ele e assim encontraremos a vida, não nas Escrituras, mas nEle através delas”.[1]
“Seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente” (Is 40.8).
Infindáveis argumentações e debates têm surgido acerca desses manuscritos. Contudo, os crentes em Cristo podem estar certos de que tais manuscritos bíblicos antigos ratificam, apóiam e dão credibilidade à Bíblia que temos nos dias de hoje. A Palavra de Deus continua a ser a única fonte legítima da fé e da doutrina para todo aquele que busca recompensa eterna.
“São mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o mel e o destilar dos favos. Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os guardar, há grande recompensa” (Salmo 19.10-11).
Sendo assim, pobre Muhammad! Ele tinha esperança de encontrar os tesouros deste mundo, mas achou apenas pergaminhos despedaçados que só prestavam para fazer correias de sandálias! Lamentavelmente o lucro deste mundo é uma prioridade que absorve a pessoa completamente. O mundo considera as Escrituras Sagradas como algo sem valor; ou com alguma utilidade, de vez em quando, para serem citadas como “palavras da boca pra fora”, mas nunca para serem aceitas pela fé e praticadas. Todavia, nós, os salvos em Cristo, temos um conhecimento mais apurado. Temos conhecimento suficiente para não desprezar o tesouro verdadeiro e incalculável que só pode ser descoberto quando se faz uma escavação no solo da Palavra de Deus:
“E, se clamares por inteligência, e por entendimento alçares a voz, se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a procurares, então, entenderás o temor do Senhor e acharás o conhecimento de Deus” (Provérbios 2.3-5).
(Peter Colón - Israel My Glory - http://www.beth-shalom.com.br/)
Fonte:
http://www.beth-shalom.com.br/artigos/manuscritos_mar_morto.html


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Considerada a maior descoberta arqueológica do século XX, a coleção dos manuscritos do Mar Morto veio prestar grande auxílio à exegese cristã, esclarecendo pontos relativos à Sagrada Escritura e confirmando a veracidade dos textos bíblicos que circulam hoje.
José Messias Lins Brandão
No início do ano de 1947, um jovem pastor beduíno, chamado Mohammed ed-Dib, procurava afanosamente uma ovelha desgarrada ao longo da falésia que margeia o Mar Morto, a cerca de dez quilômetros da bíblica cidade de Jericó. Vasculhando as reentrâncias da rocha, entrou numa caverna onde descobriu vasos de argila contendo rolos de pele manuscritos, envolvidos em tecido de linho. Escolheu e retirou os sete que lhe pareciam em melhor estado.
Alguns meses depois, os beduínos venderam três desses rolos a um arqueólogo da Universidade Hebraica de Jerusalém e os restantes ao Metropolita do convento sírio-jacobita São Marcos, também da Cidade Santa.
Pouco tardou para os estudiosos perceberem que Mohammed havia feito a mais retumbante descoberta arqueológica do século XX: os famosos Manuscritos do Mar Morto.
Aos poucos, pesquisadores começaram a explorar meticulosamente a região, enquanto os beduínos, por seu lado, faziam o mesmo. Assim, de 1949 a 1956, foram descobertas mais dez grutas, nas quais foram coletados diversos rolos em diferentes estados de conservação e dezenas de milhares de fragmentos, alguns tão diminutos que contêm apenas poucas letras.
Riqueza e variedade de conteúdo
Uma vez analisados e classificados os fragmentos maiores, chegou-se à conclusão de que eles compõem um conjunto de 900 documentos escritos em hebraico, aramaico ou grego entre o fim do século III a.C. e o ano 68 da Era Cristã. A maior parte deles está grafada sobre pergaminho, alguns em papiro, e há um único texto gravado em cobre.
Mais de uma quarta parte desses documentos é constituída por cópias de livros do Antigo Testamento, em sua imensa maioria escritos em hebraico ou aramaico. Todos os livros canônicos da bíblia hebraica, salvo o de Ester e o de Neemias, ali figuram, e frequentemente em vários exemplares: há pelo menos quatorze manuscritos do Deuteronômio, quinze de Isaías e dezessete dos Salmos. Encontram-se também três livros deuterocanônicos: Tobias, Eclesiástico e a Carta de Jeremias,
que faz parte de Baruc.
Um segundo bloco de manuscritos está formado por excertos de livros apócrifos: Jubileus, Salmos Apócrifos, Livro de Enoc,
Entre 1949 e 1956, beduínos e pesquisadores descobriram onze grutas com documentos

fotografia tirada na época das escavações
Royal Ontario Museum, Toronto (Canadá)
Testamento dos Doze Patriarcas e Apócrifo do Gênesis. Faz parte também desse conjunto um grande número de outros escritos tais como a Oração de Nabônides, trechos de hinos, anotações e comentários, entre eles o Targum de Jó e o Comentário de Habacuc.
Há, por fim, excertos do que se poderia chamar de "códigos disciplinares" - a Regra da Comunidade, o Regulamento da Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas, o Escrito de Damasco -, bem como orações para cada dia do mês, textos poéticos, comentários de trechos da Bíblia, calendários, etc.
A misteriosa comunidade de Qumran
Cabia, então, aos arqueólogos desvendar o mistério: como fora parar nas inóspitas cavernas uma tão valiosa biblioteca? Qual a autoria desses documentos, muitos dos quais inéditos?
A clave da solução estava, certamente, nas vizinhas ruínas de Qumran e na enigmática comunidade que as habitara até o primeiro século da nossa era. Como explica Pnina Shor, chefe da Seção de Conservação de Artefatos do Departamento de Antiguidades de Israel, em entrevista exclusiva à nossa revista, "o grupo que escreveu os manuscritos chama a si mesmo de yahad, que em hebraico significa ‘o conjunto', ‘a comunidade'". 1

Ao longo dos anos não faltaram as controvérsias entre os especialistas sobre a identidade dessa comunidade. Mas, hoje em dia, a grande maioria deles a identifica com os essênios, 2 ou, para ser mais preciso, com os membros de uma ala radical desse movimento.3
Os essênios constituíam, junto com os fariseus e os saduceus, os três principais grupos religiosos em que se dividiam os judeus desde o segundo século antes de Cristo até a destruição de Jerusalém.4 Procuravam viver em estrito cumprimento da lei mosaica, atendo-se à letra desta mais ainda do que os próprios fariseus.
Segundo uma corrente de autores, seu nome deriva do grego εσσηνοι (os piedosos). Embora não sejam mencionados por este título nas Escrituras Sagradas, não faltam referências a eles em autores antigos como Plínio o Velho, Flávio Josefo e Fílon de Alexandria.
Os essênios que moravam em Qumran compunham uma comunidade masculina, celibatária, de vida austera e regida por uma regra, assemelhando-se, portanto, aos mosteiros cristãos surgidos séculos depois. E, como reconhece a mencionada Pnina Shor, responsável pela conservação dos manuscritos do Mar Morto, "a descrição que Josefo faz dos essênios e de como eles viviam é muitíssimo parecida com o que esse grupo narra sobre si mesmo".5
O assentamento de Qumran foi arrasado no ano 68 por uma legião Romana. Ao que tudo indica, os essênios, ante o irresistível avanço das tropas imperiais, procuraram pôr a salvo sua biblioteca. No início, envolviam os rolos em tecidos e colocavam-nos em vasos de argila bem tampados; no fim, atiravam-nos nas cavidades da falésia, às pressas e sem qualquer proteção.
Vista exterior da gruta IV
Observa a este respeito o teólogo luterano Joachim Jeremias: "Os irmãos devem ter sido exterminados, até o último, neste ano de 68, pois, se um só deles tivesse escapado, as grutas não teriam guardado, até os nossos dias, o seu segredo".6
O "fenômeno Qumran"
A descoberta dos manuscritos do Mar Morto provocou o que o sacerdote jesuíta J. R. Scheifler descreve como "fenômeno Qumran": "uma prodigiosa e alarmante fecundidade literária, sobretudo entre os especialistas; e um inusitado interesse entre o grande público, às vezes com certos ressaibos de esnobismo e não sem uma dose de insegurança e inquietação entre os fiéis".7
Com efeito, apenas nos primeiros quinze anos após a descoberta dos manuscritos vieram a público "mais de três mil títulos, entre obras e artigos, além de uma revista científica consagrada exclusivamente ao tema", acrescenta o estudioso jesuíta.
O "fenômeno Qumran" também não tardou a transbordar dos círculos científicos para as revistas de generalidades. Ao longo desses quase sessenta anos desde a descoberta dos manuscritos, a imprensa dedicou ao tema rios de tinta e toneladas de papel, e ele ocupa hoje considerável espaço nas páginas web da internet.
Qual a causa mais profunda desse "inusitado interesse"?
Fidelidade das versões bíblicas
Antes de Gutenberg imprimir, em 1455, sua "bíblia de 42 linhas", cada exemplar das Sagradas Escrituras era uma transcrição singular feita por amanuenses. Ora, uma vez que não se conservam os originais dos livros vetero e neotestamentários, qual o grau de confiabilidade dessas inumeráveis "cópias de cópias" realizadas ao longo de dezenove ou mais séculos por escrivães de índoles e raças variadas?
Até a descoberta do Mar Morto, os mais antigos manuscritos com a Bíblia completa eram o Codex Vaticanus (séc. IV), o Sinaiticus (séc. IV) e o Alexandrinus (séc. V), todos eles provenientes da Septuaginta. Os primeiros textos massoréticos - escritos em hebreu e incluindo apenas os livros aceitos pela religião judaica - eram mais recentes: tanto o Codex Leningradensis como o Aleppo estão datados no século XI. Conservavam-se também fragmentos de textos anteriores, sendo, o mais antigo deles, um raro papiro do século segundo antes de Cristo, trazendo apenas o decálogo e um trecho do Deuteronômio.
Ora, em 1947, surgiu inesperadamente nas onze grutas do Qumran um grande número de textos bíblicos copiados entre o século II a.C. E o século I da Era Cristã que podiam reforçar a autenticidade das versões da Sagrada Escritura hoje utilizadas pela Igreja, ou apontar-lhes as deficiências. Ademais, a maior parte dos livros do Antigo Testamento havia sido copiada em hebreu ou aramaico, o que permitia confrontá--los com o texto grego da Septuaginta. Foram essas as razões que tornaram a publicação dos documentos do Mar Morto tão esperada.
Hoje em dia, tendo vindo a lume o último volume da coleção com os manuscritos,8 qualquer pessoa com conhecimento de hebraico,
Pnina Shor: "Quando os manuscritos foram
encontrados, verificou-se que a exatidão
das traduções é realmente de admirar - e
isso é emocionante".
aramaico e grego pode conferir as diferentes versões, e verificar que, ao longo dos séculos, as traduções mantiveram uma impressionante fidelidade. Por isso a Dra. Shor comenta que, através dos manuscritos do Mar Morto, pôde-se constatar como as traduções gregas e latinas da Sagrada Escritura conservaram-se fiéis aos originais hebraicos. "Quando os manuscritos foram encontrados, verificou-se que a exatidão das traduções é realmente de admirar - e isso é emocionante".9
Ao contrário, portanto, do que alguns previam, os manuscritos de Qumran vieram mostrar que são perfeitamente confiáveis os textos das Sagradas Escrituras conservados pela Igreja Católica e propostos aos fiéis durante quase vinte séculos. E desmontaram certas hipóteses imaginativas sobre a origem do Novo Testamento surgidas cem anos atrás.
Hipóteses imaginativas sobre os quatro Evangelhos
Com efeito, certos exegetas do início do século XX quiseram ver nos livros do Novo Testamento obras tardias, distantes da realidade que narram, influenciadas pela mitologia e filosofia grega. Ora, tal hipótese choca-se agora com a evidência fornecida pelos manuscritos do Mar Morto.
Muitas das expressões e estilos supostamente helênicos das redações neotestamentárias coincidem com expressões e estilos encontrados em tais manuscritos, os mais recentes dos quais, como vimos, remontam ao ano 68 d.C. Demonstra-se, assim, terem sido eles de uso corrente na sociedade judaica da época de Jesus e, a fortiori, estarem os autores do Novo Testamento acostumados a pensar e a falar em hebraico ou aramaico, e não em grego.
Mesmo não tendo sido provado haver entre os documentos de Qumran fragmentos de escritos neotestamentários,10 "vários textos- chaves contêm informações, ideias ou linguagem muito similares aos encontrados em certas passagens dos Evangelhos",11 como ainda nas Epístolas e nos Atos, embora não tenham sido redigidos por cristãos ou para cristãos. Por isso a Dra. Shor diz que, nesses manuscritos, "podem-se ver as origens do cristianismo, junto com textos bíblicos e outros textos judaicos. Constata-se assim a origem comum das duas religiões".12
Mesmo no terceiro bloco de manuscritos - o qual, como vimos, contém textos doutrinários e disciplinares dos essênios - encontramos alguns elementos de grande interesse para a exegese neotestamentária.
Nesses documentos inéditos pululam numerosas palavras, frases e descrições de fatos que reportam surpreendentemente a palavras, frases e fatos dos Evangelhos e de algumas epístolas de São Paulo: os "pobres de espírito", a "justificação pela Fé", luta entre os "filhos da luz" e os "filhos das trevas".
Merecem destaque duas expressões usadas por São Lucas: "será chamado Filho de Deus" (Lc 1, 35) e "chamar-se-á Filho do Altíssimo" (Lc 1, 32). Uma geração anterior de exegetas tentava procurar a origem desses termos no paganismo helênico. Ora, elas são encontradas num texto aramaico de Qumran, no qual se lê claramente: "Será denominado filho de Deus, e o chamarão filho do Altíssimo" (4Q246). Parece, portanto, que tais conceitos se desenvolveram em círculos judaicos, o que constitui mais um prova do enraizamento hebraico, e não helênico, do Novo Testamento.13
Mais impressionante ainda foi a descoberta relacionada com a resposta dada por Nosso Senhor aos discípulos de São João Batista, que lhe foram perguntar: "Sois vós aquele que deve vir, ou devemos esperar por outro?" (Mt 11, 3; Lc 7, 20). Jesus lhes respondeu: "Ide e contai a João o que ouvistes e o que vistes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, o Evangelho é anunciado aos pobres..." (Mt 11, 4-5; Lc 7, 21-22).
Estas palavras de Nosso Senhor aludem claramente a Isaías (35, 5-6 e 61, 1). Porém, neste livro profético não se fala em ressurreição dos mortos. Ora, o fragmento 4Q521 de Qumran, referindo-se ao Messias, afirma: "Pois Ele curará os criticamente feridos, Ele ressuscitará os mortos, Ele trará boas novas aos pobres".14
Conforme comenta John J. Collins, a impressionante semelhança entre esse fragmento e as citadas passagens dos Evangelhos
de São Mateus e São Lucas permitem chegar à conclusão de que Jesus "proclama o reino de Deus, e por Seu ministério de cura e exorcismo, prova que está presente; e alega ser ungido e, pois, qualificado para proclamar a boa nova. [Esse fragmento] apoia de modo significativo a tradicional concepção de que Jesus via a Si mesmo como o Messias de Israel".15
No total, foram identificados mais de 500 paralelos entre a linguagem de Qumram e a do Novo Testamento, muitos dos quais sem precedentes no Antigo Testamento.16 A imaginativa hipótese a propósito da origem helênica dos escritos neotestamentários fica, assim, definitivamente descartada.
Desmentido cabal a hipóteses sensacionalistas e extravagantes
No entanto, a origem comum judaica das literaturas qumrânica e neotestamentária, bem como as similaridades apontadas acima, conduziram a pôr novamente em dúvida a autenticidade das narrativas evangélicas, analisando-as agora sob outro prisma.
Pretendia-se provar que o Cristianismo nascente não trazia nenhuma novidade; nada mais era que um prolongamento da comunidade de Qumran, um mero plágio dela. "Via-se, no agrupamento essênio, um predecessor da comunidade cristã, e até mesmo sua origem. Pensava-se, notadamente, ter-se encontrado no Mestre de Justiça um precursor de Jesus: tinha-se por certo que a seita teria visto nele o Messias, atribuía-se-lhe uma morte violenta, supondo-se até mesmo que ele teria sido crucificado, e falava-se de fé na sua ressurreição e no seu retorno".17
Dupont-Sommer chegou a tirar a conclusão de que as semelhanças entre a Religião Cristã e a seita essênia "constituem um conjunto quase alucinante", acrescentando: "Em todas as partes nas quais os paralelos nos obrigam ou convidam a pensar em um plágio, o plágio foi feito pelo cristianismo".18
Alguns galoparam em suas hipóteses, ganhando muita atenção na mídia. Um jornalista americano, E. Wilson, opinou que o mosteiro de Qumran "é talvez, mais do que Belém ou Nazaré, o berço do cristianismo". 19 E no jornal russo Konsomolskaia Pravda, edição
"São Lucas Evangelista"
Basílica de São Marcos, Veneza
de 9/1/1958 lê-se que os Manuscritos do Mar Morto "demonstraram peremptoriamente o caráter mítico de Moisés e de Jesus".20 John Allegro, Barbara Thiering e Edmond Székely tornaram-se nomes populares na literatura sensacionalista por suas hipóteses extravagantes, todas pretendendo apoiar-se nos manuscritos do Mar Morto para reduzir o cristianismo a uma seita pagã ou gnóstica, negar a existência histórica de Nosso Senhor ou a atribuir-Lhe uma vida excêntrica.21
Ora, após a catalogação final dos pergaminhos e o atual estágio de conhecimento do seu conteúdo, já não há mais lugar para teses esdrúxulas e fantasiosas. A tal propósito, Vanderkam e Flint são taxativos: "Devemos deixar claro que as teorias ou
aproximações descritas [até aqui] não são apoiadas pelos especialistas dos pergaminhos do Mar Morto".22
Diferenças em pontos essenciais
Refutando as hipóteses anteriores, todas elas baseadas nas semelhanças entre textos essênios e textos cristãos, os manuscritos de Qumran demonstram que há diferenças irreconciliáveis em pontos fundamentais. Um dos temas nos quais o choque é maior entre as concepções cristãs e as de Qumran é o da Lei de Moisés. Na comunidade do Mar Morto, a justificação pela Lei tem um caráter intenso e a realização da perfeição por meio da Lei era ali interpretada de um modo mais estrito do que entre os próprios fariseus.
Em Qumran, "a Lei é propriamente o messias, a salvação".23 Por causa disso, conforme Scheifler, mesmo sem atribuir a Nosso Senhor uma atitude polêmica relativamente àquela comunidade, parece haver uma alusão a Qumran na resposta aos fariseus que lhe interrogavam sobre a cura no sábado: "Há alguém entre vós que, tendo uma única ovelha e se esta cair num poço no dia de sábado, não a irá procurar e retirar?" (Mt 12, 10-13). "As palavras de Cristo parecem supor uma prática admitida ou de sentido comum. Porém, a seita de Qumran, mais estreita na casuística sabática que os próprios fariseus, a proibia expressamente".24
O ponto mais difícil de harmonizar entre o cristianismo e a doutrina de Qumran é o do amor ao inimigo. Terão sido uma referência direta a eles as palavras de Nosso Senhor: "Tendes ouvido que se diz: amarás a teu próximo e odiarás a teu inimigo, mas eu vos digo..." (Mt 5, 43s)? Um bom número de especialistas responde afirmativamente.25 Do mesmo modo, a extensão dada por Jesus ao mandamento do amor ao próximo é alheia ao pensamento da comunidade de Qumran. Esta se aferrava a um exclusivismo separatista e orgulhoso, considerando digno de amor só seu selecionado grupo, excluindo de modo absoluto os pagãos e grande parte de Israel. Mais que para os fariseus, as três parábolas da misericórdia (Lc 3, 3-32) e o "eu também não te condeno", dirigido à adúltera, devem ter repercutido como algo insuportável em Qumran.26
A arqueologia confirma o acerto da Igreja
Por causa da demora na publicação dos manuscritos do Mar Morto, já referida mais atrás, levantou-se em certo momento a suspeita de que a Santa Sé estivesse pondo obstáculos a isto, por receio da verdade histórica. Num dos episódios mais rocambolescos, M. Baigent e R. Leigh aproveitaram o clima criado para lançar um livro com o chamejante título de O embuste dos rolos do Mar Morto: Porque uma dúzia de estudiosos religiosos conspiraram para suprimir o conteúdo revolucionário dos rolos do Mar Morto.27
Segundo os dois autores, a equipe de especialistas a cargo da publicação estava sob o controle do Vaticano, o qual temia ver o Cristianismo minado pelas revelações contidas nos referidos manuscritos. O livro se tornou um best-seller. Quem o comprou caiu num verdadeiro embuste, pois, como comentam Vanderkam e Flint, "agora que os textos estão à disposição em forma de fotografia, transcrições e traduções, perguntamo-nos o que pode ter levado alguém a pensar que eles causariam dano ao Cristianismo ou que o Vaticano teria interesse - e mesmo o poder - de eliminá-los".28
Ao contrário de autores como esses, os estudiosos cristãos veem nos manuscritos do Mar Morto uma inesgotável fonte de dados exegéticos, um inestimável instrumento para seu trabalho.
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Textos para pesquisas sobre o Evangelho
A Palestina no Século I d. C.
O objetivo deste texto é procurar reconstruir, em linhas gerais, como estava organizada política, econômica, social e religiosamente a Palestina no século I d.C., momento em que Jesus nasceu e o Novo Testamento foi escrito. Compreendemos que quanto mais conhecermos o cotidiano palestinense neste período, será mais fácil avaliar o impacto da mensagem cristã.
A Palestina é uma estreita área situada entre a África e a Ásia, funcionando como uma espécie de ponte entre estas regiões. Com um território menor que o nosso estado do Espírito Santo, possuía uma superfície de 34.000 Km2 e cerca de 650 mil habitantes. Encontrava-se dividida em áreas menores: Judéia, Samaria e Galiléia, à oeste; Ituréia, ao norte; Gualanítade, Batanéia, Traconítide, Auranítide, Decápole e Peréia, à leste e Iduméia ao sul. Vamos centrar nas regiões situadas à oeste, já que a maior parte dos fatos referentes a vida de Jesus ocorreram neste cenário.

 
Quadro político e administrativo
A Palestina, durante as vidas de Jesus e de Paulo, foi governada, principalmente, pela Dinastia Herodiana. Contudo, este quadro não é tão simples, já que esta região estava subdividida em outras que, neste período, possuíram formas de governo e administração distintas.
Como sabemos, em 63 a.C. Roma conquistou a Palestina, aproveitando a fragilidade da dinastia asmonéia em crises internas. Hircano, um dos descendentes de Simão Macabeu, foi recolocado ao trono por Júlio César, que institui a Antípatro, ou Antípater, natural da Induméia, como seu procurador. Foi um dos filhos de Antípatro, Herodes, que acabou por fundar a nova dinastia judaica, a dos herodianos, e manter a região independente por mais algum tempo.
Herodes governou entre 37 a 4 a.C. os territórios da Judéia, Samaria, Induméia, Galiléia e Peréia. Estas áreas foram divididas entre seus filhos após a sua morte: Herodes Arquelau herdou a Judéia, Samaria e a Induméia, que governou até 4 d.C. e Herodes Antipas, as regiões da Galiléia e Peréia, de 4 a.C. - 39 d.C.. Este último é, dentre os soberano herodianos, o mais citado no Novo Testamento (Cf. Lc. 3:1; 9:7-9; 13: 31-32; 23: 7-12; Mt. 14: 1-12).
De 6 até 41 d.C, a Judéia, Samaria e a Induméia passaram a ser administradas diretamente por procuradores romanos. Agripa I, neto de Herodes, governou esta região entre 41 a 44 d.C. Após este período, a administração voltou para as mãos dos procuradores romanos.
Os procuradores eram funcionários diretamente ligados ao imperador. Sob este título eram denominados diversos funcionários que possuíam atribuições diferentes. Eles provinham da ordem eqüestre, ou dos cavaleiros, e eram remunerados. Os procuradores palestinos estavam subordinados ao governador da Síria. Entretanto, como representantes diretos do Imperador, detinham poderes civis, militares e jurídicos. Eles residiam em Cesaréia, mas em épocas de festa religiosas se transferiram para Jerusalém, já que, nestas ocasiões, esta ficava apunhada de fiéis.
Faz-se importante ressaltar que as questões internas da comunidade judaica, contudo, mesmo sob a administração romana, eram resolvidas pelo Sinédrio, tribunal presidido pelo sumo-sacerdote e formado por 71 membros (anciões, sumo-sacerdotes depostos, sacerdotes do partido dos saduceus e escribas fariseus), com sede em Jerusalém. Provavelmente instituído ainda no século III aC, no século I dC possuíam atribuições jurídicas: julgavam os crimes contra a Lei Mosaica, fixavam a doutrina e controlavam todos os aspectos da vida religiosa. Em todas as cidades e vilas da Palestina também existiam pequenos sinédrios formados por três membros que cuidavam de questões locais (Mt. 5:25).
Ainda que Roma tenha procurado manter as estruturas locais anteriores à conquista e tenha respeitado a idiossincrasia judaica no tocante à diversos aspectos (cf. Estudo 1), a dominação romana implicou na progressiva romanização e helenização e na cobrança de inúmeros impostos diretos e indiretos.
Neste sentido, face a irreversível ocupação romana na região, surgiram movimentos de resistência armados, como os zelotas. Historiadores, como Flávio Josefo, e o próprio Novo Testamento apresentam indícios de que ocorreram, no período, alguns levantes pontuais contra Roma (Lc. 13;1; At. 5: 36-37, 21:37).
Pouco a pouco grandes parcelas da população foram mobilizadas contra o controle romano, o que resultou no embate militar que durou de 66 a 70 dC e é conhecido como Guerra Judaica. Foi no decurso desta guerra que o Templo de Jerusalém foi novamente destruído e levaram que a política tolerante de Roma em relação aos judeus fosse revista.
Estes acontecimentos marcaram profundamente a judeus e cristãos. Seus reflexos encontram nos textos neotestamentários e foram um fator decisivo no rompimento definitivo entre judeus e cristãos. Com a destruição do Templo, cessaram os sacrifícios. O culto nas sinagogas ganharam importância, sendo dirigidos pelos Rabis fariseus. A Judéia tornou-se província romana, na qual se encontravam duas legiões estacionadas. Contudo, as revoltas não cessaram.
Em 132 a Palestina torna-se palco de nova revolta, agora liderada pelo judeu Simão Bar-Kosba. Esta insurreição resultou numa acentuada baixa demográfica na Palestina. Jerusalém foi destruída e reconstruída como colônia romana, ou seja, ali foram fixados soldados aposentados de diversas origens. Os judeus foram proibidos de entrar na cidade. No local do Templo foi construído um templo pagão.
Organização econômica
Devido a sua posição estratégica, a palestina era uma região de passagem. Por ela circulavam soldados, comerciantes, mensageiros, diplomatas, etc. Esta região possuía importantes centros urbanos, como Cesaréia e Jerusalém, que concentravam pessoas e atividades econômicas. Como em outras áreas do Império, nesta região existiam vias e portos, que facilitavam as comunicações e transporte de mercadorias e pessoas.
Existia, na região, uma incipiente manufatura, especializada na defumação ou salgação de peixes, construção, fiação e tecelagem, produção de artigos em couro, cerâmica, além de um artesanato de produtos de luxo, como perfumes e a extração e tratamento do betume, substância utilizada para a calafetagem dos navios. Além disso, outros ofícios se faziam presentes, principalmente nas grandes cidades, tais como os padeiros, carregadores de água, barbeiros etc.
O comércio, tanto interno quanto externo, também era praticado. O comércio interno, pouco conhecido, consistia-se nas trocas locais e, sobretudo, visava o abastecimento das grandes cidades. Quanto ao externo, importava-se produtos de luxo, consumidos pelas elites e pelo Templo. Por outro lado, exportavam-se alimentos – frutas, óleo, vinho, peixes – e manufaturas, como perfumes, além do betume.
A principal atividade econômica da região, contudo, era a agricultura. Plantava-se trigo, cevada, figo, azeitonas, uvas, tâmaras, romãs, maçãs, nozes, lentilhas, ervilhas, alface, chicória, agrião etc. Além da plantação de alimentos, eram encontrados cultivos especiais, voltados para a produção de manufaturas, como rosas, para a produção de essências para os perfumes.
As atividades de pesca, pecuária e extrativismo também não podem ser esquecidas, devido a sua grande importância econômica. Banhada pelo Mediterrâneo, cortada por rios e possuindo lagos, não é difícil constatar a variedade de peixes e seu papel para o abastecimento interno e até exportação. Quanto a pecuária, a região possuía rebanhos de ovelhas, cordeiros e bois. No campo da extração, além do já mencionado betume, há que ressaltar a variedade de árvores, como o salgueiro, loureiro, pinheiros, das quais se extraía madeira, temperos e essências; certos animais, como pombas; e alimentos, como o mel.
Organização Social
A sociedade palestinense pode ser dividida em quatro grandes grupos socioeconômicos: os ricos, grandes proprietários, comerciantes ou elementos provenientes do alto clero; os grupos médios, sacerdotes, pequenos e médios proprietários rurais ou comerciantes; os pobres, trabalhadores em geral, seja no campo ou nas cidades; e os miseráveis, mendigos, escravos ou excluídos sociais, como ladrões.
Contudo, as diferenças sociais na palestina não se pautavam somente na riqueza ou pobreza do indivíduo, mas em diversos outros critérios, como sexo, função religiosa, conhecimento, pureza étnica, etc. Ou seja, uma mulher, ainda que proveniente de uma família rica, estava numa situação social inferior a de um levita; um samaritano, apesar de ser descendente dos israelitas, devido à miscigenação, era considerado impuro e, socialmente, inferior a uma mulher judia, para citar só dois exemplos.
 
Instituições religiosas
O Templo foi, até 70 dC, o mais importante centro religioso judaico. Destruído duas vezes, estava sendo reconstruído neste período. As mulheres e os não circuncidados não podiam entrar no interior do Templo. Neste edifício eram realizados os sacrifícios; o sinédrio se reunia; eram armazenadas as riquezas e impostos dirigidos ao Templo, bem como os objetos de culto. Ou seja, o Templo era muito mais do que um local de culto. Sobretudo, era o centro de toda a vida religiosa, econômica e política judaica. Suas atividades e organização revelam os valores e as divisões desta sociedade, onde os sacerdotes e conhecedores da Lei possuem privilégios, só os homens circuncidados são levados em conta e mulheres e gentios são colocados à margem.
Organizando a vida religiosa e os cultos no templo existiam um amplo clero chefiado pelo sumo-sacerdote, que provinham das famílias mais ricas judaicas da palestina. Os sacerdotes, tanto sob o governo dos herodianos quanto dos procuradores, eram escolhidos e destituídos pelos governadores civis. Logo, este posto possuía um marcado caráter político.
O sumo-sacerdote era auxiliado por diversos funcionários, todos provenientes das famílias mais importantes: o comandante do Templo; os chefes das 24 equipes semanais, os sete vigilantes, três tesoureiros.
Além do sacerdote supremo, existiam cerca de 7 mil outros sacerdotes divididos em 24 equipes que se revezavam nos serviços do Templo. Em média, cada sacerdote atuava cinco vezes por ano. Recebiam salário, que provinha dos sacrifícios e do dízimo. A função sacerdotal era hereditária. Ao lado dos sacerdotes, haviam 10 mil levitas, também organizados e 24 equipes. Atuavam como músicos ou porteiros, também cinco vezes ao ano. Não recebiam salários.
As sinagogas também eram centros religiosos, já que nelas se cultuava a Deus e era estudada a Lei, tal como ocorre ainda hoje. Nelas, qualquer judeu poderia ler e fazer comentários à Lei, o que não ocorria na prática, função que acabava controlada pelos especialistas nas escrituras, os escribas e rabis farisaicos.
As festas religiosas também possuíam um papel destacado na vida judaica. Nestas ocasiões o povo se reunia em Jerusalém e celebrava a intervenção divina em sua História. Mais do que um momento de comemoração, tais datas serviam para perpetuar a memória e as tradições do povo. Três festas eram consideradas mais importantes: a Páscoa, que recordava a libertação da escravidão no Egito; Pentecostes que ocorria na época da colheita e recordava a Aliança do Sinai; Tendas, que festeja o próprio Templo.
Outras práticas religiosas judaicas comuns no século I dC eram a circuncisão, a guarda do Sábado, a oração cotidiana, realizada pela manhã e à tarde. Contudo, apesar de uma aparente unidade, o Judaísmo estava subdividido em uma série de facções político-religiosas, que apresentaremos no próximo item.
O Judaísmo no século I
Muitas pessoas pensam no judaísmo do século I dC como um bloco monolítico, uma religião solidamente unificada que o cristianismo dividiu, formando uma religião nova. Entretanto, haviam muitos subgrupos diferentes dentro de judaísmo antigo e o movimento de Jesus era, à princípio, só um deles. Assim, a separação do cristianismo do judaísmo não foi súbita, mas aconteceu gradualmente.
O Judaísmo no tempo de Jesus parecia muito com as divisões internas do cristianismo de hoje. Todos os judeus tinham certas crenças comuns e praticaram alguns aspectos da religião: eram monoteístas, praticavam a lei de Moisés, circuncidavam-se, etc. Porém, os diferentes grupos judeus debatiam e discordavam entre si sobre muitos detalhes, tais como as expectativas sobre o Messias, os rituais e as leis de pureza, sobre como viver sob a dominação estrangeira.
Para entendermos o Novo Testamento mais completamente, especialmente como a vida de Jesus é apresentada nos Evangelhos, nós precisamos conhecer a variedade dos grupos judeus que existiram no primeiro século.
Josefo, historiador judeu do primeiro-século, descreve três grupos principais com suas filosofias ou modos de vida: os fariseus , Saduceus, e Essênios. Ele também menciona vários outros grupos políticos e revolucionários judeus ativos no primeiro século d.C., especialmente durante a primeira Guerra contra Roma (66-70 d. C.). O Novo Testamento menciona os Fariseus e Saduceus, além de vários outros grupos identificáveis a partir da pequenas menções. São estas informações que nos permitem reconstruir tais partidos político-religiosos. A seguir, vamos apresentar os principais grupos e suas características:
1- Fariseus
Os fariseus formavam um grupo ativo, numeroso e influente na Palestina desde o século II a.C.. O termo Fariseu provavelmente significa, em hebreu, separado e se refere à observância rígida das leis e tradições por parte dos membros do grupo (Lc. 18:10-12). Seus líderes eram chamados de rabinos ou professores, tal como Gamaliel, já que se dedicavam a estudar e comentar as escrituras (Atos 5:34; 22:3).
Os Fariseus aderiram e defendiam a observância rígida do sábado sagrado, dos rituais de pureza, do dízimo, das restrições alimentares, baseando-se nas Escrituras hebraicas e em tradições orais mais recentes (Mc. 7:1-13; Mt. 15:1-20). Se opunham à romanização e à helenização. Seus maiores rivais políticos e religiosos foram, durante muito tempo, os Saduceus, principalmente devido a postura pró-roma deste grupo. Esta rivalidade, contudo, não os impedia de unirem-se em alguns momentos em que os objetivos faziam-se comuns.
Em sua maioria, os fariseus eram leigos, ainda que entre eles fossem encontrados alguns levitas e membros do Sinédrio (Atos 5:34). Consideravam-se sucessores de Esdras e dos primeiros escribas. Eram os freqüentadores das sinagogas e buscavam divulgar a interpretação da Lei escrita e oral.
Em contraste com os Saduceus (Mc. 12:18-27), os Fariseus acreditavam na ressurreição dos mortos, no livre arbítrio do homem, na onipresença de Deus, no papel da Lei como um freio para os impulsos negativos dos homens (Atos 23:1-8). Os Evangelhos os retratam como os principais oponentes de Jesus (Mc. 8:11; 10:2) e que teriam conspirado junto com os herodianos para matá-lo (Mc. 3:6). Por outro lado, Jesus dirige algumas críticas severas contra a hipocrisia e cegueira do Fariseus (Mt. 23; Jo. 9). Contudo, em termos teológicos, cristãos e fariseus concordavam em alguns aspectos, o que explica o grande número de fariseus que acabaram por tornar-se cristãos (Atos 15:5). Paulo, antes de converter-se ao cristianismo, era um fariseu (Fil. 3:5; Atos 23:6; 26:5).
Mesmo após a Guerra Judaica, os fariseus permaneceram ativos. Como, dentre as seitas de então, não foi eliminado, passou a dirigir o Judaísmo e a rivalizar com os cristãos.
2- Saduceus
Os saduceus formavam outro grupo proeminente de judeus na Palestina entre os séculos II a.C. ao I d.C. . Não se sabe ao certo a origem da palavra Saduceus. Alguns crêem que vem do hebreu saddiqim, que significa íntegro ou derivado de Zadok, nome do mais importante sacerdote durante o reinado de Davi (1 Reis 1:26). Organizaram-se no período da dinastia asmonéia, momento de prosperidade política e econômica. Eles eram um grupo formado pela elite, principalmente proveniente das famílias da alta hierarquia sacerdotal. Provavelmente era menor, mas mais influente que os Fariseus. Sua influência, porém, era sentida sobretudo entre os grupos governantes ricos.
Seguiam somente as leis escritas, presentes na Bíblia hebraica (a Torah), e rejeitavam as tradições mais novas. não acreditavam em vida depois de morte (Mc. 12:18-27; C. 20:27); em anjos ou espíritos (Atos 23:8) ena Providência Divina. Eram altamente ritualistas e só aceitavam os cultos realizados no Templo onde, acreditavam, Deus estava. Possuíam um papel preponderante no Sinédrio e controlavam as atividades e riquezas do Templo (Atos 4:1; 5:17; 23:6).
Rejeitaram os ensinos do Fariseus, especialmente as tradições orais e as tradições mais novas. Além dos fariseus, rivalizavam com os Herodianos, porém, eram simpáticos à romanização e à helenização. Os Evangelhos os retratam freqüentemente junto com o Fariseus como oponentes de Jesus (Mt. 16:1-12; Mc. 18:12-27). Com a destruição do templo e a efetivo domínio romano, esta seita acabou por desaparecer.
3- Essênios
Os essênios formavam um grupo minoritário que estava organizado como uma comunidade monástica em Qumram, área localizada perto do Mar Morto, desde o século II a.C. até o século I d.C, quando em 68 foram eliminados pelos romanos durante a Guerra Judaica. Alguns crêem que o nome essênios deriva do grego hosios, santo, ou isos, igual, ou ainda do hebraico hasidim, piedoso. Ou seja, não há consenso. Sua origem pode estar associada à era macabéia, quando um grupo, liderado por um sacerdote, teria fundado a comunidade. Eles rejeitaram a validez da adoração de Templo, e assim recusavam-se a assistir os festivais ou apoiar o Templo de Jerusalém. Eles consideraram os sacerdotes de Jerusalém ilegítimos, desde que não fossem Zadokites, ou seja, descentes de Zadok, dos quais eles próprios se viam como descendentes.
Eles viviam em regime comunitário com exigências rígidas, regras, e rituais. Provavelmente também praticavam o celibato. Esperaram que Deus enviasse um grande profeta e dois Messias diferentes, um rei e um sacerdote. O objetivo dos essênios era manterem-se puros e observar a lei. Praticavam um culto espiritualizado e sem sacrifícios e possuíam uma teologia de caráter escatológico. Dentre os ritos observados, estava a prática do batismo por imersão periódico, como forma de purificação. Eles interpretavam a Lei de forma literal e produziram diversos textos que foram considerados, posteriormente, apócrifos, como a Regra da Comunidade.
Os essênios não são mencionados no Novo Testamento. Contudo, alguns estudiosos pensam que João Batista e o próprio Jesus estavam associados a este grupo, mas uma conexão direta é improvável.
4- Herodianos
Os herodianos formaram a facção que apoiou a política e o governo da família dos Herodianos, especialmente durante o reinado de Herodes Antipas, que governou a Galiléia e Peréia durante as vidas de João Batista e de Jesus.
No Novo Testamento são mencionados só duas vezes em Marcos e uma vez em Mateus. Em Marcos 3:6, como já assinalamos, eles conspiram com os Fariseus para matar Jesus, quando este iniciava o seu ministério na Galiléia. Em Marcos 12:13-17 e Mateus 22:16 eles figuram, novamente unidos a alguns Fariseus, tentando apanhar Jesus com uma pergunta sobre o pagamento de impostos ao César. Alguns autores acreditam que as referências neotestamentárias aos amigos e funcionários do tribunal de Herodes também estão relacionadas aos herodianos (Mc. 6:21, 26; Mt. 14:1-12; 23:7-12). Esta seita desapareceu com o efetivo domínio romano na região palestina.
5- Zelotes
Os zelotes eram um grupo religioso com marcado caráter militarista e revolucionário que se organizou no I século d.C. opondo-se a ocupação romana de Israel. Também foram conhecidos como sicários, devido ao punhal que levavam escondido e com o qual atacavam aos inimigos.
Seus adeptos provinham das camadas mais pobres da sociedade. À princípio, foram confundidos com ladrões. Atuaram primeiro na Galiléia, mas durante a Guerra Judaica tiveram um papel ativo na Judéia.
Os zelotes se recusavam a reconhecer o domínio romano. Respeitavam o Templo e a Lei. Opunham-se ao helenismo. Professavam um messianismo radical e só acreditavam em um governo teocrático, ocupado por judeus. Viam na luta armada o único caminho para enfrentar aos inimigos e acelerar a instauração do Reino de Deus.
Um de discípulos de Jesus é chamado de Simão, o Zelote em Lucas 6:15 e Atos 1:13. Alguns autores apontam que ele poderia ter pertencido a um grupo revolucionário antes de se unir a Jesus, mas o sentido mais provável era de " zeloso " na sua acepção mais antiga.
6- Outros grupos
Além dos grupos político-religiosos aqui representados, não podemos deixar de mencionar os outros segmentos que participavam do cenário religiosos judaico no I século: os levitas, como vimos no estudo anterior, que formavam o clero do Templo de Jerusalém e que eram os responsáveis pelos sacrifícios e pelos cultos; os escribas, hábeis conhecedores e comentadores da Lei; os movimentos batistas, seitas populares que mantinham as práticas de batismo de João Batista, dentre outros.
Quando Jesus Cristo iniciou sua pregação foi visto como mais um dentre os diversos grupos que já possuíam interpretações próprias da lei. Contudo, a mensagem de Cristo mostrou-se revolucionária, chegando a formar uma nova religião. Jesus soube colocar o homem acima da Lei e das tradições e proclamou que qualquer mudança só poderia se iniciar a partir do coração do homem que, pela fé em seu sacrifício salvador, era restaurado.
Conclusão A Palestina no século I dC era um grande mosaico de povos e costumes. Dominados por Roma, os judeus, maioria da população, acabaram por revoltarem-se, o que redundou no efetivo domínio romano. Área produtiva, a maior riqueza da região, contudo, era a sua privilegiada posição estratégica. Cada vez mais influenciada pela cultura romano-helenística, o judaísmo resistia, mantendo suas práticas e instituições, mesmo que excluindo a alguns grupos. Ao final do século I, com a Guerra Judaica e a extinção da grande maioria das seitas judaicas, o judaísmo acabou por gerar uma religião autônoma, o cristianismo, e a passar por um processo de cristalização farisaica.
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Mapa da Palestina ao tempo  de Jesus


 

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